Projeto transmissão vertical zero: expectativas e ações de pais soropositivos para o hiv à espera do diagnóstico do filho
VI CONGRESSO BRASILEIRO DE ENFERMAGEM OBSTÉTRICA E NEONATAL Qualificação da Atenção e dos Recursos Humanos de Enfermagem em Saúde da Mulher e do Recém-nascido 24 à 26 de junho de 2009 Teresina-PI EXPECTATIVAS E AÇÕES DE PAIS SOROPOSITIVOS PARA O HIV À ESPERA DO DIAGNÓSTICO DO FILHO Almeida J.M.1; Praça N.S.2
1 Enfermeira Obstétrica, Doutora em Enfermagem, docente do Departamento de Enfermagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Rua Antônio Aidar, 356 Parque Três Meninos – Sorocaba/SP CEP: 18016-280 (15) 3227-2554 E-mail 2 Enfermeira Obstétrica, Professor Livre-Docente do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. E-mail: ndspraca@usp.br
VI CONGRESSO BRASILEIRO DE ENFERMAGEM OBSTÉTRICA E NEONATAL Qualificação da Atenção e dos Recursos Humanos de Enfermagem em Saúde da Mulher e do Recém-nascido 24 à 26 de junho de 2009 Teresina-PI EXPECTATIVAS E AÇÕES DE PAIS SOROPOSITIVOS PARA O HIV À ESPERA DO DIAGNÓSTICO DO FILHO Resumo
O trabalho realizado pelo Projeto Transmissão Vertical Zero de Sorocaba, SP, e o elevado número de crianças expostas ao vírus da aids, no país, motivaram a realização deste estudo qualitativo que teve como objetivo geral compreender a vivência da mãe-pai enquanto aguardam o diagnóstico definitivo do lactente exposto à transmissão vertical do HIV. Esta pesquisa teve como referencial teórico a Antropologia Médica e a Narrativa como referencial metodológico. Os dados foram coletados por meio de técnica projetiva (colagem) com gravação dos relatos sobre o sentido atribuído à construção. Participaram 11 mães e 7 pais de lactentes expostos ao HIV atendidos em programa municipal de prevenção à aids. Com o tratamento dos dados qualitativos, emergiram seis temas: Sentimentos de esperança e confiança; ansiedade e expectativa; Espiritualidade e Religiosidade; Apoio; Preocupação com a saúde do filho; Preconceito e Fazendo analogia. Os resultados possibilitaram identificar as expectativas e as ações adotadas pelos pais enquanto aguardavam a confirmação do diagnóstico da criança, evidenciando que a vivência do núcleo familiar é marcada por intensa mobilização de sentimentos, preocupação com a saúde da criança e crença no tratamento. O preconceito e o estigma à aids revelaram-se como principais fontes estressoras, acarretando sofrimento e sentimento de culpa. O enfrentamento dessa situação é representado pela fé religiosa e pela crença em um Ser superior. As implicações destes achados são importantes para a enfermagem, que pode implementar cuidados culturalmente embasados. PALAVRAS-CHAVE: Transmissão Vertical, HIV, Enfermagem VI CONGRESSO BRASILEIRO DE ENFERMAGEM OBSTÉTRICA E NEONATAL Qualificação da Atenção e dos Recursos Humanos de Enfermagem em Saúde da Mulher e do Recém-nascido 24 à 26 de junho de 2009 Teresina-PI
As mudanças no perfil do infectado pelo HIV, ao longo de duas décadas e
meia, mostram de forma decisiva a expansão da epidemia entre as mulheres,
sobretudo entre aquelas em idade fértil, o que caracteriza o fenômeno denominado
de feminilização da aids, transformando as mulheres progressivamente em um dos
segmentos de maior importância da população, para a dinâmica da epidemia no
A associação entre HIV e mulher remete à gestação que, quando ocorre em
soropositivas, se torna uma condição de alto-risco. Sob este aspecto, a gestante
necessita de abordagem adequada e completa durante o pré-natal, o parto e o
puerpério, merecendo atenção que envolva também os aspectos psicológicos,
sociais e familiares, proporcionando tratamento tecnicamente correto e humanizado.
No Brasil, a transmissão vertical continua sendo a principal via de infecção
pelo HIV em crianças, embora conte com medidas de prevenção e uso do AZT para
diminuir sua taxa de transmissão, de acordo com o Protocolo 076 ACTG – Aids Clinical Trials Group, adotado pelo Ministério da Saúde desde 1996(Ministério da
Este texto foi extraído da tese de doutorado que estudou o período de
indefinição do diagnóstico da criança verticalmente exposta ao HIV, e que teve como
objetivo compreender a vivência de pais de lactentes expostos ao HIV, durante o
período de indefinição do diagnóstico do filho (Almeida, 2008).
Trata-se de um estudo qualitativo, norteado pelo referencial teórico da
Antropologia da Saúde, que destaca a visão integrada do ser humano como uma
totalidade biocultural e psíquica, que possibilita compreender o processo saúde-
doença e abordar as maneiras pelas quais as pessoas, em diferentes culturas e
grupos sociais, explicam as causas dos problemas de saúde (Helman, 2003).
A Narrativa foi o referencial metodológico adotado para organizar e
apresentar os dados, permitindo a construção de um conhecimento alicerçado no
relato da experiência das pessoas sobre uma realidade vivencial (Wernet, 2007).
Para a coleta de dados foi utilizada a técnica projetiva, ferramenta que
permite compreender de forma mais abrangente o mundo vivido dos sujeitos,
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integrando a dimensão biológica com outras esferas do saber, de crenças e de
A técnica projetiva configura-se por colagens e/ou desenhos que são
consideradas formas de comunicação indireta, empregadas quando a comunicação
verbal direta nem sempre se mostra suficiente para a obtenção do material
necessário ao estudo; possibilita articulação entre desenho/colagem, e linguagem
(Farias, Furegato, 2005). Neste estudo, foi utilizada para facilitar a expressão da
vivência dos participantes que, ao concluir a dinâmica, discorreram sobre seu
As gestantes soropositivas ao HIV, participantes do estudo foram contatadas
na Clínica de DST/Aids, no município de Sorocaba, Estado de São Paulo, Brasil, a
qual oferece o Serviço de Pré-natal de alto risco para acompanhamento
especializado e tratamento das matriculadas no Projeto Transmissão Vertical Zero
(PTVZ). Os pais de seus filhos, também foram convidados a participar da pesquisa.
Os critérios de inclusão definidos para este estudo foram: mãe e pai biológico
de lactente exposto ao HIV, sem diagnóstico definido para o vírus, e com a idade de
dois a quatro meses de vida; mãe e pai maiores de 18 anos, que não
apresentassem debilidade física de modo a não prejudicar o acesso à instituição de
atenção à saúde; e mãe matriculada no PTVZ, desde a gestação.
Este estudo seguiu os princípios norteados pela Resolução 196/96 do
Conselho Nacional de Saúde e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa, da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (No
As duplas mãe-pai que aceitaram participar da pesquisa foram orientadas
sobre os objetivos e sobre as atividades que seriam realizadas. De todas foi obtida a
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
A coleta de dados ocorreu no período de fevereiro a novembro de 2006, e foi
realizada com as mães soropositivas para o HIV e seus parceiros. Precedendo a
coleta, uma das autoras freqüentou o ambulatório onde as mulheres submetiam-se
às consultas de pré-natal, para conhecê-las e possibilitar que as mesmas a
identificassem futuramente. As participantes em potencial foram seguidas, então,
durante a evolução da gravidez e o parto. No puerpério, foram contatadas para o
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estudo e, quando possível, convidou-se o pai da criança. A coleta de dados ocorreu
durante as consultas ambulatoriais de rotina da mãe e ou do lactente, em dois
momentos, em torno dos dois e aos quatro meses de vida da criança, situação que
coincidia com a coleta de amostras de sangue para contagem de carga viral.
A dinâmica proposta para a coleta de dados teve duração aproximada de 30
minutos, com a realização da técnica projetiva e a gravação, em áudio, dos relatos
feitos pelo casal, sobre o significado da colagem montada, a partir da questão:
“Como tem sido para você viver o dia-a-dia aguardando o resultado final do teste anti-HIV do bebê?”
Precedendo a dinâmica, era preenchido um formulário com caracterização da
dupla mãe-pai e das condições de nascimento da criança. Após, realizava-se a
dinâmica que se constituiu em uma colagem, feita pelo binômio mãe-pai que recebia
cartolinas, canetas, cola e revistas, que eram recortadas e aderidas conjuntamente
pelos pais, de modo a responder à questão norteadora traçada para o estudo.
Foram realizadas 22 dinâmicas cujos conteúdos, se constituíram em 22
narrativas. Para o tratamento dos dados dos relatos obtidos em cada dinâmica,
foram realizadas inúmeras leituras que possibilitaram o reconhecimento dos dados,
dos aspectos da situação e da realidade de cada dupla mãe-pai, o que proporcionou
familiaridade e apreensão dos significados atribuídos pelo binômio à dinâmica
realizada. O tratamento dos dados, segundo os princípios de Meihy (2005), resultou
em uma narrativa de cada dupla mãe-pai correspondendo a cada dinâmica
realizada. Em seguida, o processo de tratamento dos dados teve continuidade ao se
submeter cada narrativa à proposta de Hammersley, Atkinson (1995), quando foram
extraídos os trechos de interesse para o estudo, os quais foram categorizados por
similaridade de conteúdo e originaram os temas.
Vale destacar os seis temas obtidos: Sentimentos, Espiritualidade e
Religiosidade, Apoio, Preocupação com a saúde do filho, Preconceito, e Fazendo
Participaram do estudo 11 mães e 7 pais dos quais 2 eram soronegativos, 3
mães souberam da condição de soropositivas durante a gestação, o tempo de
soropositividade variou de 9 meses a 10 anos, com mediana de 4 anos. O número
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de filhos variou entre 1 e 6, com mediana de 3 filhos para cada mãe. Estas
apresentaram idades entre 21 e 33 anos e os pais de 24 a 38 anos, ambos com
idade mediana de 31 anos. A escolaridade predominante foi o ensino fundamental
para ambos, enquanto a religião católica foi citada por 9 mães.
A par dos temas obtidos com os achados, a leitura desses, também, mostrou
que a maioria das mães e pais, a gravidez representou felicidade e preocupação
com a saúde do filho, motivando-os a submeter-se ao acompanhamento e ao
tratamento anti-HIV na gestação, parto, puerpério, e no seguimento do recém-
nascido. A seguir apresentam-se os temas obtidos:
Sentimentos
Foi possível constatar uma amplitude de sentimentos aflorados em um
momento especial da vida do pai e da mãe com a chegada do filho. Essa
capacidade de sentir caracterizou-se por situações contraditórias, com polarizações
de sentimentos, que permeiam esse período, variando entre positivos, como
esperança, confiança, e negativos, como ansiedade, culpa e medo.
A gente tem quase certeza que ele vai se salvar, agora nós, não sei, então, esperança. É um pouco de insegurança, medo, eu tenho mais que ela, a gente sente muita culpa. (Binômio 12A)
A mescla de emoções dos pais, que apresentam satisfação com a gravidez,
amor e felicidade com o filho, mas também, preocupação com a situação de sua
exposição, destacada principalmente, pelo medo da infecção, se alterna com a
possibilidade de adoecimento e de finitude da vida, o que impossibilitaria o
acompanhamento do crescimento do filho. Contudo, esses pais são instados a
enfrentar essa situação de expectativa, apoiados na devoção ao filho.
Outro fato que merece destaque é a preocupação com o adoecimento e a
potencial ausência da mãe, pois os pais acreditam que terão vida curta, seja pela
falta de saúde suficiente para criar os filhos, seja pela presença de problemas físicos
decorrentes da infecção e da possibilidade de morte. Sob estes aspectos, os
E o dia que eu cair de cama, então, como vai ser? O dia que eu ficar doente, sei lá? Isso pode acontecer. Eu não penso. eu não penso tanto assim em mim, eu penso nos meus filhos, são muito pequenos. (10B)
Embora o sentimento de esperança e confiança auxilie os pais a enfrentarem
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a expectativa do resultado do exame, este sentimento não é suficiente para anular a
ansiedade gerada por essa circunstância. São 18 meses entre o nascimento e a
definição do diagnóstico, esse período torna-se um fardo e os mantêm aprisionados
no tempo, o resultado negativo do exame é aguardado com muita expectativa.Espiritualidade/Religiosidade
Foi uma das principais evidências das narrativas de pais e mães. Dentre as
ações identificadas referentes ao período de espera do diagnóstico para o HIV do
filho, a fé que os pais dedicam à entidade religiosa expressa o suporte para
enfrentarem a situação social e de infecção instaladas. A importância desta fé,
enquanto recurso de luta contra os desafios da vida, principalmente, para suportar
doenças fatais, pode surgir como um recurso interno que favorece a aceitação e o
empenho no restabelecimento da doença, evita sentimentos dolorosos, e torna-se
fonte de fortalecimento para as pessoas.
Mas, eu tenho fé que vai negativar sim, simboliza uma fé, a minha fé, se não fosse a minha fé, a fé da minha família, ele não tinha. A fé é assim, a gente se reúne e reza, a gente pede a Deus. (5B)
Essa fé religiosa presente na vida do binômio mãe-pai proporciona segurança
e otimismo ante o tratamento e à intervenção instituída, pois os tornam capazes de
Estou numa fé, numa certeza, tanto é que eu fiz uma promessa pra Nossa Senhora Aparecida me ajudar, desde quando descobri. Em junho na festa de Aparecidinha, vou levá-lo vestido de anjo, da catedral até a igreja de Aparecidinha. (1A)
A religiosidade é, portanto, parte relevante da vida das pessoas, pois sempre
as acolhe e acalma, trazendo-lhes alívio. Seu discurso reconfortante fortalece-as
para o enfrentamento de situações estressantes, incluindo vários aspectos da vida,
Apoio e Relacionamento Familiar
Esse temas estão imbricados e reportam-se à esfera das relações familiares,
envolvendo a interação entre pai, mãe e filho, reafirmando a família como fonte de
apoio e como uma unidade primária de cuidado; também comporta o apoio de outras
pessoas e instâncias, sendo essencial no decorrer do período de indefinição do
O relacionamento entre a mãe e o pai tem na união dos parceiros a aliança
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de objetivos, de cooperação e de amor, enquanto que a cumplicidade que os une
por laços de confiança, presentes na relação conjugal, permite que dividam os
infortúnios, sendo, também, uma maneira de diminuir seus medos e a sensação de
Um dá força para o outro, por mais que a gente tenha problemas, a gente
Ao compartilhar a luta, transformam a jornada de espera pelo resultado do
exame do filho em suporte, que é buscado entre os parceiros.
Os relatos dos pais e mães do estudo indicam nítida variação entre a
percepção de receber e necessitar apoio. Sustentar-se em uma situação difícil
requer auxílio, seja da família, dos amigos, seja de grupos comunitários, de
profissionais envolvidos no processo e do Estado, e pode ser decisivo para os rumos
A gente precisa conversar, quando tem que ver o resultado de um exame meu: dá isso, dá aquilo, poxa, a cabeça a mil. Não sabe o que fala, o que acha, o que é. É difícil. Às vezes converso com a psicóloga, é um chororó também, aqui um pouquinho mais, é difícil. (10B)
Diversamente no período compreendido entre as duas entrevistas, verificou-
se que foi comum o contexto familiar ser alterado por abandono do pai, tornando a
mãe provedora da família, embora com tentativa de superação, amparada na forte
ligação afetiva com os filhos e com o bebê exposto. Outras mães já se encontravam
como provedoras da família, devido ao parceiro estar cumprindo pena em regime
fechado e internação, situação que causou queixas em relação à carência
financeira, privando as mulheres, principalmente, de remédios e alimentação
adequada e tornando-as dependentes de ajuda das redes de proteção/apoio,
presentes na comunidade religiosa e nas ações do programa municipal.
Preocupação com a saúde do filho
Este tema engloba uma inquietação com as demandas do filho,
principalmente com o tratamento, uma vez que os pais valorizam e confiam em sua
eficácia, trazendo esperança para a “cura”. Esta situação lhes proporciona conforto
enquanto aguardam a “cura” da criança, além de minimizar o próprio sofrimento
motivado pela possibilidade de terem transmitido o vírus da aids ao filho.
É uma situação bem difícil, mas superável. Tenho um supercontrole sabe, não me desespero, se tem que tomar remédio eu tomo, se tem que dar medicação pra ele, eu dou em dia, hora certa, sempre aguardando na VI CONGRESSO BRASILEIRO DE ENFERMAGEM OBSTÉTRICA E NEONATAL Qualificação da Atenção e dos Recursos Humanos de Enfermagem em Saúde da Mulher e do Recém-nascido 24 à 26 de junho de 2009 Teresina-PI esperança que ele seja negativado, se Deus quiser. (11B)
Embora o tratamento esteja disponível na clínica municipal de DST/Aids,
configurado no acesso às consultas pediátricas e aos exames laboratoriais, ao
fornecimento da fórmula infantil e de medicamentos, há dificuldades que limitam sua
operacionalização. Realizar estes procedimentos transcende o cumprimento de
horário e dose prescritos, implica também em adotar estratégias para manter sua
condição em sigilo, bem como para fazer o acompanhamento clínico, como contam
É difícil. Você tem que sair e esconder o remédio, isso aquilo, é duro, entendeu? Ela não toma, mas eu tomo. Já tomou o AZT, ela vai pegar esse medicamento agora (Bactrim), ela achava que aquele remédio era xarope. (6A)
A impossibilidade de amamentar apareceu como um dilema e foi uma
experiência penosa e emocionalmente desgastante, tornando a maternidade
incompleta, e isto acarreta culpa, frustrações, sofrimentos.
Um ponto ressaltado pelos depoimentos foi a tomada de consciência sobre a
vivência da soropositividade, possibilitando uma re-significação e/ou a construção de
novos caminhos diante da adversidade, adotando uma trajetória diferente para sua
Interessante que depois que aconteceu isso comigo, até melhorei, criei responsabilidade, porque tenho medo da vida, antes eu não dava valor a vida, não tava nem aí. (12A)
Preconceito
O tema Preconceitotrata do aspecto mais característico inerente à gênese
da aids, situação que atravessou mais de duas décadas, e, apesar dos esforços
para combatê-la, ainda tem forte presença.
A gente sente mais cuidado, proteger do mundo, bem dizer do preconceito das pessoas. Fica com mais cuidado com relação ao bebê, porque quer proteger. É difícil. (6A)
A discriminação é proveniente de diferentes contextos, vindos da sociedade e
da família, que dificultaram o enfrentamento da infecção e a recomposição da vida
Você leva o atestado da clínica, eu fui mandada embora exatamente por causa desse problema, eu trabalhava de empregada doméstica e levei o atestado da clínica de DST e na outra semana ela me mandou embora, não falou o motivo. (11A)
O preconceito causa agruras, contratempos e transtornos, que se
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manifestaram nas dificuldades para a realização de ações para o acompanhamento
e o tratamento da criança, principalmente, para os pais que trabalhavam.
A estigmatização é tão grande que estimula a negação e o segredo que
reforça o silêncio, esta situação é delicada para mães e pais da criança exposta, que
vão desde resguardar o seu diagnóstico, encontrar motivos que justifiquem as
constantes idas à clínica para o acompanhamento e tratamento, e mesmo para
buscar estratégias para camuflar o local de tratamento.
Por outro ponto de vista, alguns pais encaram com indiferença a
soropositividade, demonstrando despreocupação com sua revelação e evitando
Meu dia-a-dia é normal, eu não fico ligando, que os outros fiquem sabendo. Na clínica eu já encontrei a sogra da minha prima e ela saiu contando. Eu pedi pra não contar, porque ninguém sabia e mesmo assim saiu falando, mas não devo nada pra ninguém, ninguém vem na minha casa perguntar se está faltando alguma coisa. Quem paga as minhas contas sou eu. (12A)Fazendo Analogia
O tema Fazendo analogia representa um recurso usado pelos pais para
interpretarem sua montagem; permitiu estabelecer semelhanças entre essas e o
significado que as mães e pais atribuíram ao período de indefinição do diagnóstico
Essa montagem aí significa que a tartaruguinha está presa, ela está esperando ter a liberdade, poder ser solta, ter liberdade. Assim é meu filho. Esperando ele fazer os exames e ter resultado positivo, pra ele poder ficar livre disso aí. Esperando a liberdade, para poder seguir em frente. (5A)DISCUSSÃO
Os resultados deste estudo demonstram a maneira pela qual pais pensam e
reagem durante o período de indefinição do diagnóstico da criança exposta.
Possibilitou, também, a apreensão dos sentimentos, dos valores, das atitudes,
enfim, os comportamentos das mães e pais no seu cotidiano de enfrentamento à
Para muitas mulheres, a maternidade é seu destino social e a garantia do
lugar psíquico da feminilidade; é uma experiência fundamental e estruturante da
identidade feminina. Independente da classe social, a maternidade emerge como um
atributo biológico que torna as mulheres como seres mais fortes. Este sentimento
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não é só manifestado pelas mulheres, porque os homens também querem exercer a
paternidade, quer por razões religiosas, ou para dar sentido à vida, ou ainda para a
construção da sua identidade viril (Monticelli, Santos, Erdmann, 2007).
Por outro lado, o sentido dado pelas mães e pais, durante as entrevistas,
deixou transparecer os sentimentos de preocupação com a situação de exposição
do filho, destacada, principalmente, por temer a sua infecção, o medo de
transmissão do vírus ao bebê, situação também constatada por Neves, Gir (2006) e
Carvalho, Piccinini, (2006), ao estudarem mães soropositivas que sabiam da
Os vários estudos realizados com mães soropositivas para o HIV apontam na
direção: o sentimento de felicidade está presente e representa uma afirmação da
vida, descoberta de novo sentido para a vida, impelindo uma vontade de viver,
contrapondo uma das características da aids, como doença sem cura e letal.
A Religiosidade e a Espiritualidade sempre foram consideradas importantes
aliadas das pessoas que sofrem e/ou estão doentes, especialmente quando a cura
médica não é possível influenciar no seu bem-estar.
Com o surgimento da aids, várias questões emergiram tanto da dimensão
biológica, como psicológica e social, configurando um problema com repercussões
na vida dos portadores, inclusive na perspectiva espiritual, que inclui conteúdos
existenciais e que geram significativas alterações na integração da espiritualidade
com outras dimensões na vida dos infectados com HIV/Aids. Alguns relatam
sentimento de abandono por Deus, como castigo (Castanha et al., 2007).
Demonstrou-se que, especificamente, em abordagem sobre espiritualidade
com gestantes e mães HIV positivas o envolvimento religioso esteve relacionado a
estratégias mais ativas de enfrentamento da infecção e a maiores índices de apoio
social, podendo servir como um mecanismo de redução da negação e,
conseqüentemente, de prevenção do sofrimento psicológico. Atuando como fonte de
interpretação para os acontecimentos da vida, a religiosidade pode representar
apoio para o enfrentamento das dificuldades e para a mudança de atitudes
De uma maneira geral, os dados são convergentes com os achados de
estudos que imputam a fé em Deus e a força interior como sustentáculos
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imprescindíveis para a manutenção da saúde.
A maioria das práticas religiosas mencionadas pelas mães e pais relaciona-se
à Igreja Católica. A menção a Deus foi preponderante e descrita como símbolo de fé.
Além desse suporte espiritual, a Igreja também é vista como fonte de apoio social,
incluindo ajuda material e apoio emocional.
Outro aspecto relacionado à religiosidade refere-se à busca pela cura. Este
pensamento articula Deus como agente, como força que proporciona a cura aos
médicos, porém, está condicionada à vontade de Deus, que interfere no avanço da
Embora as mães e pais demonstrem fé religiosa que favorece o resultado
positivo para o diagnóstico do filho, ou seja, o filho será “negativado”, o que significa
não estar infectado pelo HIV, ambos são categóricos ao dizer que acreditam no
tratamento, portanto, o valorizam, e adotam as medidas terapêuticas recomendadas,
reconhecendo a importância da ação dos medicamentos e do acompanhamento
pelo serviço de saúde. Entretanto, realizar o tratamento apresentou dificuldades, em
virtude dos pais e mães desejarem manter em segredo a sua condição, isso os leva
a esconder não só o medicamento, como o local onde são atendidos.
Os depoimentos dos participantes da pesquisa apontaram o enfrentamento
de muitos desafios; essa questão é muito mais do que um evento biológico,
tornando-se, às vezes, secundário diante das situações sociais que decorrem desse
Diante dessa realidade enveredam para a busca de apoio, incorporados nos
laços sociais, expressão que encampa dois conceitos, o de rede social e apoio
social, englobando as relações sociais que envolvem o indivíduo, bem como as
características de disponibilidade e freqüência de contato com amigos e parentes,
ou com os grupos de pessoas com quem há contato ou alguma forma de
participação social, por exemplo, grupos religiosos e associações.
Ao considerar que a família é a principal fonte de apoio para soropositivos, a
necessidade de apoio estende-se para além do núcleo familiar, alcançando os
amigos do casal, assim, ambos, família e amigos se constituem em expressivos
fatores de proteção àqueles que precisam enfrentar a infecção, tanto a participação
no tratamento, como fonte de apoio afetivo.
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Os sistemas de suporte fazem parte de um âmbito mais amplo da vida das
pessoas, igualmente são importantes, contribuindo para a saúde geral e para o bem-
estar dos portadores de HIV/Aids. Trata-se das relações estabelecidas com a
escola, o trabalho, centros religiosos ou instituições de saúde, papel das
organizações governamentais e não-governamentais e a religiosidade.
Ferreira (2007) verificou que as mulheres infectadas pelo HIV/Aids revelam a
sua condição de soropositividade à família e amigos quando há identificação com
outro soropositivo, por pressão ou confiança, busca de apoio e preocupação com
possível transmissão do vírus ao parceiro, pautadas em experiências positivas de
apoio ou quando não conseguem mentir quando questionadas. Por outro lado,
mantêm segredo em situação de medo do preconceito, de se exporem ou se houve
experiências negativas como falta de apoio, rejeição e disseminação da informação,
estabelecendo um pacto de silêncio, pois há temor de mudanças, envolvendo os
Por outro lado, os pais deste estudo acreditam na soronegatividade do bebê
pela efetividade do tratamento. Esta dedicação está associada, tanto a aspectos
subjetivos como sociais e culturais do ser mulher e mãe. A aids entre mulheres tem
um impacto social maior do que em outros segmentos da população, uma vez que
estas, nos dias de hoje, ainda assumem culturalmente o papel de “agregadoras e
questionamento, pelos parentes, pela não-amamentação, aliada ao fato de perder a
prerrogativa da exclusividade na alimentação da criança, e ainda, porque alimentar
por mamadeira diminui o contato físico e provoca sensação de culpa.
A experiência profissional mostra que a sociedade ainda discrimina e contribui
para as dificuldades sociais dos portadores. O preconceito sofrido pelos indivíduos
portadores do HIV, muitas vezes considerado o pior da doença, pode levar a
atitudes de discriminação verificadas pelo afastamento do grupo social do doente e,
por sua vez, o doente do seu grupo social.
Mulheres portadoras de HIV/Aids têm mencionado que temem e vivenciam o
preconceito. Dentre muitos problemas relacionados a esse fato, pode surgir a
dificuldade de colocação profissional, além dos problemas familiares e daqueles
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ligados à maternidade (Carr, Gramling, 2004; Carvalho, Piccinini, 2006; Moura,
CONCLUSÃO
A abordagem qualitativa permitiu compreender a vivência da indefinição do
diagnóstico de soropositividade para o HIV do filho exposto, e que consistiu numa
experiência sociocultural vivida de modo particular pelos participantes.
Dentre os pressupostos confirmados pelo estudo, destaca-se a fé
manifestada pela espiritualidade e religiosidade, onde acreditar em um Deus dá
forças para o enfrentamento da busca da cura do filho, expressa na espera pela
O grupo de mães e pais estudados, que aguardavam o diagnóstico definitivo
do lactente para o HIV, nega a transmissão do vírus ao filho, porque acredita no
tratamento realizado durante a gestação e no parto, e para o bebê. Confia
plenamente na dádiva de Deus para concretizar esse desejo, aguarda essa graça
pela fé que devota à entidade religiosa.
Passar pela experiência de ter um filho exposto ao HIV foi articulado
fortemente à própria existência da criança, ou seja, gerar o filho, ainda que nesta
situação de soropositividade, representa uma enorme satisfação, mesmo em função
do sofrimento causado pelas demandas da criança e do estresse ocasionado pelo
Estes pais e mães mostram que a experiência da maternidade e da
paternidade é mais intensa que a condição de soropositividade ao HIV que permeia
Em síntese, este estudo captura/reconhece o contexto dos significados
compartilhados e construídos por mães e pais, os quais servem de orientação para
seu comportamento, que é influenciado pela cultura, e que, identificados, sugerem à
enfermagem pontos para nortear a assistência.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, J.M. Projeto Transmissão Vertical Zero: expectativas e ações de pais
soropositivos para o HIV à espera pelo diagnóstico do filho. 2008. 183 f. Tese
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(Doutorado em Enfermagem) - Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo,
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Recomendações para profilaxia da transmissão vertical do HIV e Terapia Anti-Retroviral em Gestantes. Brasília; 2007.
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Agradecimentos: as autoras agradecem ao CNPq pelo auxílio financeiro concedido
Student Medication Form “Medication” is any substance a person takes to maintain and/or improve his or her health. This includes vitamins & natural remedies. Provide enough of each medication to last the entire time the student will be at St. John’s College. The following guidelines pertain to administering medications: 1.) Written parent/guardian permission is requir
Zwangerschapsreflexologie Algemene vragen en bekommernissen Kunnen er onaangename reacties optreden? Als je lichaam een opeenstapeling van gifstoffen bevat (door bijvoorbeeld een onevenwichtige voeding of een gebrek aan vocht, slaap of beweging), kan je enige gevoeligheid ervaren of de nood om gifstoffen af te scheiden na een sessie. Dit is een normale reactie wanneer je lichaam niet in optimale g