O desafio da indústria brasileira: uma crise dentro de outra crise
Telecomunicações, Sistema Postal, Ciência
Este trabalho recapitula os efeitos da crise financeira de 2008 sobre a indústria brasileira e
descreve as principais ações tomadas pelo governo federal para contorná-los. Também
especula sobre as perspectivas de longo prazo do setor e aponta algumas limitações da atual
política industrial diante de alguns desafios que deverão surgir nos próximos anos. Palavras chave: crise internacional, indústria brasileira, política industrial Abstract The text examines the effects of the international crisis on the Brazilian industry and listssome of the policies adopted by the Federal Government in order to neutralize them. It alsosuggests possible long run trends for the sector and discusses the current industrial policyshortcomings in dealing with them.Keywords:Brazilian industry, global financial crisis, industrial policy JEL Classification: E65 1 Introdução
No primeiro semestre de 2009, a Câmara dos Deputados conduziu um amplo esforço de
análise da crise financeira internacional que eclodiu nos EUA em setembro de 2008 e
contaminou a economia brasileira nas semanas seguintes. No marco desse trabalho de
exame da conjuntura e de propositura de linhas de ação, a Comissão Especial da Crise na
Indústria ouviu algumas das mais influentes vozes do governo, do mercado e do meio
acadêmico, construindo uma avaliação que foi consolidada em relatório final divulgado em
Algumas das questões levantadas nas audiências públicas passaram, porém, ao largo do
debate na Comissão, talvez por estarem levantando hipóteses e examinando aspectos que
tinham um caráter de reflexão de longo alcance, mais afastado das questões de conjuntura e
apontando para temas que, por ora, permanecem à margem da agenda de gestão da crise.
Tais contribuições merecem ser aprofundadas, até para servir como combustível para uma
discussão das perspectivas poscrise. Este texto pretende retomar essa linha de análise.
Nosso objetivo é recapitular um breve histórico dos efeitos da crise na indústria brasileira e
examinar as suas perspectivas de prazo mais longo, tendo em vista questões como acesso a
tecnologia, produtividade, situação geopolítica do País e relação com temas de crescente
relevância junto ao público, em especial a preservação ambiental.
O texto, portanto, está assim organizado: na próxima seção apresentam-se alguns
indicadores do comportamento da indústria brasileira em decorrência da crise financeira; na
seção 3, discutem-se as perspectivas de mercado de prazo mais longo, examinando o
estágio atual da produtividade na indústria; na seção 4 a colocação dos países do BRICS no
contexto global é posta em perspectiva; apresentam-se, enfim, as conclusões. Efeitos da crise na indústria brasileira
A crise internacional, cuja fase aguda iniciou-se em setembro de 2008, com a estatização
das gigantes do mercado imobiliário norteamericano Fannie Mae e Freddie Mac1,
espalhando-se no resto do mercado a partir da concordata, na semana seguinte, do banco de
investimentos Lehman Brothers, é grave para o setor produtivo, tendo resultado em
suspensão das linhas de crédito à produção e ao consumo, em importantes perdas no valor
acionário das empresas e em forte retração do mercado, com expressivo aumento do
desemprego nos países desenvolvidos.
1 Nomes de fantasia pelos quais são conhecidas as financiadoras de crédito imobiliário Federal NationalMortgage Association (FNMA) e Federal Home Mortgage Corporation (FHMC).
Contrariamente a outros episódios dos anos oitenta e noventa (crise de Wall Street de 87,
quebra do sistema de poupanças, crise da Ásia, crise da Rússia, crise ponto-com), as
proporções deste episódio são muito grandes para que este possa ser contornado com os
mecanismos do próprio sistema financeiro, como ocorreu naqueles casos. Desse modo, a
impressão de isolamento entre mercado financeiro e economia real que se depreendia até
então não está sendo confirmada. O setor produtivo está sentindo intensamente os efeitos da
crise e tem demandado uma atitude agressiva do setor público para contornar alguns dos
seus mais graves desdobramentos. A rápida perda de valor de ativos e a suspensão das
linhas de crédito tradicionais afetam a produção por alguns canais ou processos já bem
• Redução da capacidade de consumo da população: a escassez de crédito ao consumidor
e às lojas tende a deprimir o consumo e dispara um comportamento cauteloso do
próprio consumidor, o que propicia uma redução ainda maior. A expectativa de longo
prazo é de queda das receitas, o que desestimula novos investimentos.
• Ciclo de desemprego: as empresas em dificuldades iniciam suas operações de ajuste ou
de saneamento pela redução da folha salarial, seja por demissões ou seja por acordos.
Nos EUA, o ritmo da perda alcançou, em janeiro de 2009, o nível de 600 mil demissões
por mês. Isto reduz a massa de salários, acelerando a queda do consumo.
• Redução na arrecadação de impostos: a desaceleração da economia reduz a
arrecadação do governo e impõe uma revisão dos gastos públicos e do cronograma de
emissão de títulos para rolagem ou expansão da dívida pública. Mudanças nos gastos
afetam a renda agregada de curto prazo e as receitas das empresas. Demandas do
mercado por incentivos fiscais ou aportes de recurso para combater a conjuntura
desfavorável pressionam o equilíbrio das contas públicas. O aumento da dívida pública
eleva a percepção de risco do país.
• Suspensão de projetos de expansão: a menor expectativa de ganhos, ou seja, um fluxo
de caixa pior, desestimula o investimento na produção. Resulta, também, em perda de
valor das ações das empresas. Quando a perda de valor acionário é muito forte, as ações
de muitas empresas podem passar a valer menos do que o patrimônio que representam.
Para quem tem dinheiro disponível, é melhor comprar ações do que investir em projetos
de expansão ou de atualização tecnológica nas empresas. O tamanho do setor produtivo
• Acumulação de estoques e queda de preços: a acumulação de estoques nas principais
economias resulta na queda dos preços internacionais, com uma competição mais
agressiva e a perda de margens das empresas. Isto acentua a percepção de perdas e torna
premente a decisão por demissões e ajustes. O temor de uma competição mais agressiva
leva as empresas a pressionar os governos de seus países por medidas protecionistas
contra o comércio internacional, dificultando a liquidação desses estoques.
• Aumento no número de concordatas e falências: empresas que se encontram em alguma
situação crítica passam a ter dificuldades para obter empréstimos de curto prazo e
enfrentam problemas de inadimplência com credores e empregados, podendo ser
rapidamente levadas a uma situação prefalimentar. Um exemplo é o das montadoras de
veículos norte-americanas General Motors e Chrysler, que vinham administrando uma
combinação de perda de participação de mercado com custos de produção altos e falta
de flexibilidade para promover ajustes, devido a acordos trabalhistas e que terminaram,
após seis meses de crise, por entrar em concordata e enfrentar uma reestruturação de
• Deslocamento das expectativas dos agentes: consumidores e investidores passam a ter
expectativas pessimistas e a agir com cautela. Mesmo aqueles que não foram atingidos
pela crise postergam suas decisões de compra e de aplicações, seja para aproveitar
preços mais baixos no futuro, seja para aguardar um momento em que a percepção de
A indústria brasileira confrontou-se, a partir de outubro de 2008, com todos esses
processos. De imediato, foi atingida pela suspensão de seus pedidos de compra e pelo
congelamento das operações de comércio internacional. Comparando dados de setembro de
2008 e de maio de 2009, a queda das exportações brasileiras como um todo chegou a 34%,
em termos de valor exportado por dia útil. No entanto, para os produtos primários esse
indicador foi de 20%, para manufaturados foi de 41% e, para semimanufaturados, 43%,
revelando o forte impacto sofrido pela indústria de transformação.
Paralelamente, além da atitude naturalmente mais conservadora do setor financeiro
nacional diante da crise, outros movimentos contribuíram para a retração do crédito em
nosso mercado. Por um lado, a suspensão de operações de crédito internacional levou as
empresas de grande porte, que operavam diretamente com financiamento no exterior, a
buscar opções no País, reduzindo a disponibilidade de capital no mercado interno. A crise
disparou, também, um movimento de venda de ativos no Brasil e de remessas ao exterior
para cobrir posições de investidores, desvalorizando rapidamente o real. E alguns episódios
de perdas enfrentadas por empresas que vinham sustentando posições agressivas no
mercado cambial alarmaram o mercado.
As demissões iniciaram-se em seguida (figura 1), em decorrência da combinação de três
fatores. Em primeiro lugar, a sazonalidade natural do mercado, que eleva as contratações no
segundo semestre para produzir estoques para as festas de fim de ano e que, a partir de
novembro, inicia um ciclo de demissões. Além disso, a suspensão de contratos por
compradores internacionais, prejudicando empresas que tinham posições importantes no
mercado externo, caso do setor siderúrgico, do agronegócio e do setor de calçados. E,
finalmente, o alinhamento das filiais no Brasil com as estratégias globais de redução de
custos e de retração de investimentos por conglomerados multinacionais. Em uma
economia em que a participação estrangeira na receita líquida da indústria de transformação
chegava a 35% em 1997, superando os 50% em setores como o eletroeletrônico e
alcançando 83% no setor automotivo (Erber, 2001: 10-11), os efeitos dessas decisões são
Em que pese o comportamento do índice estimado pelo IBGE, o número total de empregos
formais no Brasil, segundo levantamento do CAGED2, tem-se mantido em moderada
recuperação desde o início do ano, após uma perda de 654 mil postos de trabalho em
dezembro de 2008 e de 101 mil em janeiro de 2009, cerca de metade dos quais na indústria.
Em parte esse comportamento mais recente decorre da preservação de postos na construção
civil e no setor terciário em geral.
2 Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho e Emprego. Segundo dados demaio de 2009, a taxa de crescimento do número de empregados formais foi de 0,4% no mês e de 1,92 % em
Figura 1 – Variação do emprego industrial (janeiro de 2006 a abril de 2009) 0 0 /2 n ja 106 = 0 0 (1 o 104 g re p m 102 e e d e ic d 100
A produção industrial apresentou uma rápida queda a partir de outubro de 2008, que se
manteve pelos três meses seguintes, ensaiando uma recuperação a partir de janeiro de 2009
(figura 2). Tal comportamento é relativamente consistente para a maior parte dos setores da
indústria e decorre de dois efeitos cumulativos. O primeiro foi a reação do governo federal,
que assegurou a manutenção dos programas de renda mínima e deu início a uma sucessão
de anúncios de medidas de incentivos ao consumo (figura 3), entre as quais merecem
destaque as reduções de impostos para o setor automotivo, para a produção de veículos de
duas rodas, para a linha branca e para materiais de construção.
relação aos doze meses anteriores. No referido mês, houve geração líquida de empregos em todos os setores,inclusive na indústria, com 700 novos postos de trabalho. Figura 2 – Produção física da indústria de transformação (janeiro/2006 a maio/2009) a s s e d 100
Algumas dessas medidas vêm sendo mantidas, a exemplo da redução de impostos para a
compra de veículos automotivos, que foi prorrogada até outubro de 2009, devendo ser
objeto, posteriormente, de uma transição no sentido da aplicação de alíquotas gradualmente
crescentes, até se aproximar da situação anterior à crise. Figura 3 – Algumas medidas anunciadas pelo governo federal no combate à crise Medida anunciada Setor beneficiado
Leilão de US$ 500 milhões com compromisso de recompra;
Redução do compulsório, injetando R$ 13 bilhões no mercado
Crédito de R$ 5 bilhões para agricultura
Redução do compulsório para compra de outros bancos
Nova linha de crédito do BNDES para exportação, de R$ 5
MP que autoriza o BC a aceitar carteiras de ativos de bancos
como garantia, em operações de redesconto
Redução adicional do depósito compulsório
Redução adicional do depósito compulsório, com injeção de
Flexibilização de operações para os bancos
MP autorizando bancos públicos a adquirir participação em
Redução a zero do IOF para aplicações no mercado de capitais
Redução adicional do depósito compulsório
Linha de crédito da CEF para a construção civil de R$ 3
Pressão sobre os bancos para obrigá-los a operar com títulos
Flexibilização de leilões para financiamento de exportações
BB oferece linha de crédito de R$ 1 bilhão para produtores
BNDES expande linhas de crédito com oferta de R$ 19
BB oferece linha de crédito de R$ 4 bilhões para bancos de
Nossa Caixa oferece linha de crédito de R$ 4 bilhões para
CEF aumenta o limite de financiamento para material de
CEF oferece linha de crédito de R$ 2 bilhões para compra de
Recomposição do compulsório, admitindo o recolhimento em
Mudança na data de recolhimento de IR, IPI e Pis/Cofins
Redução de IOF no financiamento de motos
BNDES oferece créditos de R$ 6 bilhões para estimular a
Oferta de recursos do BC para rolagem de dívidas no exterior
Garantias de R$ 5 bilhões para linhas de crédito
BNDES oferece de linhas de crédito de R$ 100 bilhões nos
Petrobrás anuncia plano de investimentos de R$ 174 bilhões
Pacote habitacional - programa “Minha casa, minha vida”.
Prorrogação, por três meses, da redução do IPI para veículos
Isenção da Cofins para fabricantes de motocicletas
Redução nas alíquotas do IPI de cerca de 30 itens
Aumento da alíquota do IPI s e a de PIS/Cofins
Redução IPI para três itens da linha branca: geladeiras, fogões
Fontes: O Globo, Folha de São Paulo. Dados até abril de 2009.
Uma questão a ser examinada refere-se ao acerto dessas medidas. Um critério seria avaliar
se os setores mais representativos da indústria foram de fato os que mereceram maior
atenção do governo. A resposta é claramente um sim. De fato, observando a participação
relativa dos principais setores (figura 4), constata-se que a prioridade dada ao setor
automotivo, do petróleo, da construção civil e do agronegócio alcança algumas das
Figura 4 – Participação relativa na produção industrial
Fonte: elaboração do autor sobre a Pesquisa Industrial do IBGE 2006
O segundo fator que afetou a retomada da produção industrial em 2009, ainda que em
níveis muito abaixo dos observados no ano anterior, foi a gradual recuperação das
expectativas dos consumidores e a reabertura do crédito ao varejo. Graças a isto, a
contração no varejo, excluídas as vendas de veículos e de materiais de construção, que
sofreram forte queda em outubro de 2008 e foram recompostas graças aos incentivos
oferecidos pelo governo, foi de apenas 1% ao mês nos primeiros três meses de crise,
iniciando uma recuperação já em janeiro de 2009, com crescimento mensal de 2,9%.
Em março deste ano essa taxa começou a estabilizar-se, caindo a 0,5% ao mês, anunciando
uma tendência de crescimento mais modesta do que os níveis anteriores à crise, de 1,2% ao
mês em média. Embora haja diferenças de comportamento entre os vários segmentos do
comércio varejista, é de se destacar que as vendas de supermercados e produtos
alimentícios mantiveram uma taxa de crescimento praticamente constante ao longo da crise.
Uma explicação para esse comportamento é a de que os níveis de preços e a renda agregada
foram pouco afetados nos primeiros meses de crise internacional. A taxa de inflação caiu
no período, oscilando abaixo de 0,5% ao mês. E, em valores brutos, o PIB brasileiro
manteve-se estável do terceiro para o quarto trimestre de 2008 e caiu 3,6% entre o quarto
trimestre de 2008 e o primeiro de 2009, em valores trimestrais. O nível de consumo, porém,
caiu menos, cerca de 1,8% nessa última comparação, enquanto os investimentos recuaram
9,3%. Desse modo, o comércio de produtos cujo consumo demanda decisões de compra
mais criteriosas e um certo grau de endividamento, a exemplo de veículos e material de
construção, que compõem o chamado índice de consumo ampliado, foi mais afetado pelas
expectativas do consumidor, demandando uma iniciativa do governo para viabilizar sua
recuperação. Já para os produtos que compõem a cesta de consumo mensal permanente o
consumidor manteve um padrão de gastos similar, na medida em que as condições de
orçamento e de preços se perpetuaram.
A retração nos investimentos vem prejudicando o setor de bens de capital nacional, que não
logra retomar o crescimento (figura 5). Por um lado, as vendas no mercado externo, que
representavam cerca de 15% da sua receita, praticamente foram suspensas, o que contribuiu
para 55% das perdas sentidas pelo setor em decorrência da crise3. Por outro lado, a redução
do nível de utilização da capacidade instalada da indústria (NUTI) caiu de 86% antes da
crise para níveis mais baixos, de 73 a 75%. E a menor utilização de máquinas e
3 Observe-se que o setor de bens de capital é, nesse sentido, menos dependente das exportações do que amédia da economia. Para a indústria de transformação em geral, cerca de 20% das receitas são oriundas daexportação. Comparativamente, no agregado, nossa corrente de comércio correspondia a cerca de 26% doPIB, índice muito mais baixo do que o de outros países em desenvolvimento, tais como China, 71% do PIB,Rússia, 54% ou Índia, 45%.
equipamentos implica em menor desgaste e maior ociosidade, deprimindo as intenções de
renovar e de modernizar a infraestrutura fabril. Figura 5 – Produção física do setor de bens de capital (janeiro/2006 a maio/2009) 2 0 0 2 ia 200 d é m = 180 0 0 (1 a ic 160 fís o ã ç u 140 d ro p e 120 d e ic d Ín 100
Os dados da economia brasileira apontam, em suma, para um cenário de aparente superação
dos principais efeitos da crise, exceção feita ao setor de bens de capital. Tal quadro pode
ser, no entanto, ilusório. Não se pode esquecer, de fato, que por trás desse movimento de
recuperação há uma forte atuação do governo federal, com medidas de incentivo e de
redução de encargos bastante agressivas. E tal pressão não poderá ser mantida
indefinidamente, sob pena de comprometer a saúde do setor público. Numa situação de
persistência da recessão nos países centrais, que ainda enfrentam expansão do desemprego
e volatilidade do mercado financeiro, o tempo poderá esgotar-se e as dificuldades externas
poderão voltar a contaminar nossa economia local.
Um outro fator, de prazo mais longo, traz preocupações adicionais. Sua discussão requer
uma especulação a respeito das causas reais da atual crise. Se esta tiver decorrido
unicamente dos efeitos colaterais de um desajuste do mercado financeiro, a sua superação
sinalizará a retomada do crescimento global, ainda que a partir de patamares mais
modestos. Por outro lado, se a gravidade com que a crise se alastrou for decorrente de
problemas existentes na economia real, o cenário de longo prazo poderá ser mais opaco. A
próxima seção examina tais aspectos. Uma crise dentro de outra crise
A crise tem sido caracterizada como essencialmente financeira, apesar de seus graves e
prolongados efeitos na economia real. A multiplicação de modalidades de operações
financeiras e de mecanismos de criação de moeda nas últimas três décadas havia
provocado, com o passar dos anos, um inchaço da massa de recursos de crédito disponíveis.
Os mercados financeiros acumulavam, antes da crise, um montante estimado em três vezes
o PIB mundial. Do mesmo modo que a injeção desses recursos na economia induzia um
crescimento econômico acelerado, seu súbito enxugamento resultou na recessão que hoje
Há que se examinar mais detidamente, no entanto, essa relação entre mercado financeiro e
economia real. Que as modernas economias são movidas a crédito é um fato de simples
observação. E a explicação desse mecanismo é trivial. Ao decidir pela produção de
mercadorias, as empresas remuneram os fatores de produção, formando a base da renda
agregada da economia: salários, lucros e remuneração de rentistas. Esse montante, porém, é
insuficiente para custear o consumo em tempos de expansão da economia. O crédito
funciona, então, nas duas pontas do processo. De um lado, adianta ao produtor os recursos
para expandir a capacidade de produção e remunerar os fatores. De outro lado, oferece o
dinheiro necessário para antecipar o nível de consumo, esgotando os estoques produzidos.
Tal mecanismo é operacional na medida em que as condições técnicas para a expansão da
economia estejam postas. Só desse modo será possível, para o sistema financeiro,
assegurar-se de um crescimento da economia real que lhe permita reaver, no futuro, o
crédito empatado na produção e no consumo (Baumol, 2008: 202). E tais condições podem
ser agrupadas em umas poucas categorias. Em primeiro lugar, inovação tecnológica. O
avanço do conhecimento e o desenvolvimento da tecnologia de produção asseguram ganhos
de produtividade que resultam em mercadorias mais baratas e mais atraentes, na
remuneração mais elevada dos fatores e em maior escala de produção.
Uma segunda categoria é a dos benefícios decorrentes da terceirização de atividades e do
repasse da produção para países com remuneração mais baixa dos fatores. As operações
offshore garantem vantagens às empresas, uma vez que reduzem os custos de produção
significativamente. Em geral, esses ganhos são nominais. Nada há de diferencial de
tecnologia embutidos neles. Se olhados com lupa, tecnicamente o que existe em muitos
casos é até uma perda de produtividade física, decorrente do maior esforço de translado de
partes e peças mundo afora, do transporte e distribuição da mercadoria produzida e da
necessidade de coordenação e de supervisão de processos descentralizados. Por outro lado,
há situações em que as empresas que desempenham atividades intermediárias para muitos
clientes alcançam ganhos de escala impensáveis para cada um deles individualmente.
Nesses casos, será reconhecível um diferencial na produtividade agregada da cadeia
produtiva e a economia obtém vantagens nesse processo.
Avanços no desenho de produtos e serviços e na concepção de modelos de negócio são uma
terceira categoria. A criatividade não se restringe apenas à geração de tecnologia mas
estende-se também à imaginação comercial para aplicá-la de modo atraente e prático. Tais
esforços estimulam a substituição de mercadorias por novas opções ou modelos. Mais do
que a tecnologia em sentido estrito, é sua aplicação mediante o desenho industrial e a
inovação negocial o verdadeiro motor da destruição criativa, do surgimento de novos
empreendimentos e da abertura de novos mercados.
Merecem destaque, ainda, os ganhos associados à expansão da massa de consumidores,
pela incorporação de novos contingentes de pessoas à economia monetária. Esses grupos
são agregados ao mercado por várias iniciativas propositais ou por movimentos autônomos:
ocupação territorial, aculturação, educação de massa, êxodo rural, migrações ou programas
Os anos oitenta e noventa foram particularmente ricos na consolidação dessas condições de
expansão. A tecnologia industrial de base beneficiou-se de avanços na robotização e na
automação industrial, que alcançaram praticamente todas as atividades fabris e se
estenderam a vários processos de apoio. Novas aplicações surgiram nos mais diversos
setores e os exemplos multiplicavam-se. O rápido amadurecimento da biotecnologia
propiciou a criação de novos compostos e a formulação de novos processos de produção na
indústria farmacêutica e no setor químico. A manipulação genética foi aplicada com
sucesso à criação de novas variedades de cultivares e ao controle de pragas. Avanços em
novos materiais consolidaram aplicações com supercondutores, a substituição de técnicas
de construção e a criação de novos produtos, desde barbeadores descartáveis até aviões
wide body. A microcomputação e o desenvolvimento da programação orientada a objetos
viablizaram a rápida popularização dos computadores pessoais e o uso da eletrônica
embarcada em uma enorme variedade de produtos.
O surgimento da internet e o barateamento dos transportes viabilizaram a consolidação de
redes globais para o trânsito de informação, de dinheiro, de mercadorias e de pessoas.
Mudanças políticas e tratados de livre comércio facilitaram a busca de alternativas offshore,
dando origem, por exemplo, a maquiladoras no México e em outros países da América
Latina, à transferência de operações industriais, sucessivamente, aos Tigres Asiáticos, à
China e a países como Vietnã e Filipinas, ou à terceirização de serviços para a Índia.
O redesenho geopolítico decorrente da desagregação do bloco soviético e da consolidação
da União Européia, a fuga de zonas de guerra na África ou no Oriente Médio e a busca de
oportunidades em países mais desenvolvidos alimentaram, enfim, diásporas sem
precedentes na história recente. Tais movimentos alavancaram a incorporação ao mercado
de contingentes populacionais até então relegados a atividades de subsistência. A educação
de massa, a ampliação das oportunidades de emprego em indústrias de baixo valor
agregado e o êxodo rural combinaram-se para expandir a classe média baixa, em particular
na China, no Brasil, na África do Sul, na Índia e no México, estimulando o consumo de
bens duráveis nesses países e alavancando um extenso mercado global de produtos de
segunda linha oriundos sobretudo da China.
A perda de momento dessa expansão tem sido a tônica dos últimos cinco anos (Jorgenson
et al, 2008: 4). O avanço da tecnologia está mais lento, o surgimento de novos modelos de
negócio estagnou, as oportunidades de ganhar produtividade pela busca de novos polos
industriais estão mais raras, até os fluxos migratórios perderam em volume. A transição de
uma economia alavancada pela mudança de paradigmas para uma economia que deve obter
seu crescimento de um persistente e minucioso esforço de melhoria da qualidade parece ser
a perspectiva que vem se configurando. Estaremos voltando aos anos setenta?
O avanço tecnológico está mais lento. Embora o volume de novas patentes mantenha
moderado crescimento nos EUA4, sua taxa de longo prazo declina na última década e há
um reconhecimento de que alguns dos setores que alavancaram o avanço tecnológico nas
duas décadas anteriores encontram, hoje, barreiras à inovação. O caso mais evidente é o da
biotecnologia, que revela seu lado mais angustiante nos laboratórios de pesquisas da
Os grandes laboratórios chegaram, em 2009, ao ápice de seu faturamento, mas suas taxas
de crescimento estão mais baixas a cada ano. Perderão, nos próximos quatro anos, as
patentes de alguns de seus carros-chefe de vendas (Lipitor, Plavix, Viagra) e não
encontram, por ora, novos compostos para substituí-los. A solução encontrada pelos
gigantes da indústria tem sido a de buscar, na junção de esforços, a massa crítica para
induzir novas linhas de pesquisa. Isto levou a importantes movimentos de fusão e aquisição
neste ano, tais como a incorporação da Wyeth pela Pfizer, negociação estimada em 75
bilhões de dólares, a compra da Genentech pela Roche (46 bilhões) e da Schering-Ploug
pela Merck (41 bilhões) (Sobral, 2009: 13).
Trata-se de uma manobra estratégica natural para quem tem dinheiro em caixa, e este é um
privilégio raro em tempos de crise. Estima-se que a indústria farmacêutica venha a crescer,
4 Segundo dados do USPTO, foram apresentadas 496 mil solicitações em 2008, uma queda de 5,7% emrelação ao ano anterior. No entanto, em vista do comportamento histórico da série, a taxa de crescimento delongo prazo das solicitações permanece positiva, embora declinante. Em 2008 foram também emitidas 182mil patentes, número que permanece relativamente estável nos últimos anos. Destas, cerca de 158 milreferem-se ao que chamamos de invenção ou modelo de utilidade, ou seja, objetos de uso prático, novos oumodificados. As demais destinam-se a processos industriais e a projetos.
mundialmente, de 3 a 3,5% neste ano, contrastando com os demais setores. E tais fusões, no
curto prazo, poderão resultar em ganhos de escala e de eficiência suficientes para alavancar
uma taxa de crescimento similar pelos próximos dois anos. Depois, as perspectivas
começam a ficar nebulosas. A quebra das patentes colocará os medicamentos mais
lucrativos à disposição dos fabricantes de genéricos, tornando os preços mais competitivos
e pulverizando o faturamento em um número muito maior de empresas do setor, o que pode
reduzir à metade as receitas de sua comercialização.
Uma pergunta crucial é se essa desaceleração é circunscrita a uns poucos nichos de
conhecimento ou se será um reflexo de uma maturidade do sistema acadêmico e de
pesquisas como um todo. Trata-se de uma reflexão inquietante e cuja complexidade escapa
aos objetivos deste artigo. Embora a avaliação de qualidade da produção científica seja uma
tarefa inglória (como ter certeza de que uma ideia recentemente surgida venha a ser
revolucionária em cinco ou dez anos?), alguns indicadores sugerem que podemos estar
chegando a um grau de maturidade relativamente generalizado. Nunca se produziu tanta
literatura científica de qualidade. Os artigos publicados, porém, estão espremendo até a
última gota o sumo de paradigmas que já não têm tanto a oferecer. Trabalhos de aplicação,
exames de experimentos naturais e investigação de conjecturas ainda inexploradas trazem
contribuições cada vez mais precisas e aplicações minuciosas de modelos que se parecem
encontrar-se em seus limites de capacidade inovativa. Embora o número de boas
publicações e de bons artigos esteja crescendo, estes são cada vez menos referenciados.
Pode ser efeito da competição, da variedade e da estreiteza de foco, ou pode ser indício de
Há, evidentemente, problemas em aberto em todas as ciências. Mas estamos tropeçando na
inadequação a esses problemas do instrumental matemático disponível e compreensível ao
pesquisador de cada área, na falta de capacidade de intuir a interpretação de questões a cada
dia mais afastadas do senso comum e na armadilha dos marcos epistemológicos de
legitimação e apropriação do conhecimento adotados pela academia, que rotulam de
ilegítimo, de superficial ou de carente de comprovação científica um amplo conjunto de
conhecimentos e práticas oriundos da tradição, esquecendo-se que o preço do rigor técnico,
por certo desejável, é a perda de informação e o abandono de linhas de investigação que
poderiam trazer bons frutos em vários nichos do conhecimento. BRICS no rumo da maturidade
No ambiente de retração da atividade econômica que se seguiu à quebra do Lehman
Brothers, alguns países em desenvolvimento, em especial os BRICS (Brasil, Rússia, Índia,
China e África do Sul) foram apontados como economias com maiores possibilidades de
recuperação, cada qual por razões que lhes são peculiares.
A Rússia beneficia-se da disponibilidade de matérias primas, em especial petróleo e gás
natural, cujos preços recuperam-se após a queda de outubro de 2008, deixando-a em
situação relativamente confortável. O Brasil também é fornecedor de bens primários cujos
preços vêm se sustentando, um paradoxo neomalthusiano que desafia um dos edifícios
intelectuais mais caros aos brasileiros, a teoria da dependência. O País beneficia-se,
também, dos esforços de disciplina fiscal e reorganização institucional perseguidos nos
últimos dez anos. A China preserva uma taxa de crescimento ainda considerável, em parte
graças a investimentos do seu governo central, mas sua indústria é dependente do mercado
externo e paira em seu horizonte o espectro da persistência da crise nos países
desenvolvidos, que se estenderia sobre os demais países do leste asiático e sobre outros que,
como o Brasil, elevaram seus fluxos de comércio com aquela região. A Índia dispõe do seu
mercado interno para servir de substituto ao comércio internacional em várias de suas
indústrias. E a África do Sul, além de ainda aproveitar os efeitos da normalização de suas
relações exteriores e da expansão após o fim do regime de apartheid, tem na Copa de 2010
um suporte para conter a retração dos investimentos de curto prazo.
No entanto, esses países não dispõem da capacidade de produção de conhecimento e de
geração de tecnologia dos países desenvolvidos. Suas estratégias diante dos grandes
movimentos de globalização das cadeias produtivas e de distribuição de mercadorias ainda
A globalização das cadeias produtivas de grande complexidade começou a consolidar-se a
partir dos anos oitenta, graças a programas pioneiros na indústria automotiva (os “carros
mundiais”) e no setor de informática5. O quadro atual consolidou uma especialização
5 No setor de informática, por exemplo, essa terceirização de atividades, que resulta em uma modularidade emnível global da cadeia de adição de valor, iniciou-se nos anos oitenta com a transferência da manufatura de
hierárquica e de apropriação de valor adicionado que respeita as fronteiras geográficas.
Atividades de alto valor agregado (propriedade da tecnologia, pesquisa e desenvolvimento,
produção de kits CKD6 com alto valor agregado, marketing global e consolidação de
marca) estão concentradas em poucas unidades nas matrizes das grandes corporações, nos
EUA, em países europeus, no Japão e na Coreia. Já as atividades de valor agregado médio
(produção de commodities com tecnologia proprietária na modalidade ODM7, produção
encomendada de componentes e kits na modalidade CM, supervisão de logística e de
planos de produção de unidades montadoras, supervisão comercial e gerência de filiais e
representantes) estão distribuídas em poucos países que abrigam plantas industriais de
grande porte, como Cingapura, Taiwan e China. Finalmente, as atividades de baixo valor
agregado e uso intensivo de mão de obra (montagem, embalagem, comercialização regional
e serviços de apoio) estão distribuídas em um número maior de países e atendem seus
mercados internos ou de países próximos, sendo estes os casos do Brasil, do México e dos
Se por um lado essa distribuição de funções atende aos interesses das matrizes das
corporações multinacionais, por outro lado reflete as estratégias e os esforços de cada país
envolvido. Colocar-se em atividades de alto valor agregado resulta em parte de condições
naturais decorrentes de localização geográfica e de situação em relação aos fluxos de
comércio (que são mais intensos no sentido leste-oeste do que no sentido norte-sul). Mas tal
situação pode ser ajustada por esforços de cada país na formação de capital humano, na
dotação local de infraestrutura e no financiamento de indústrias nacionais com condições de
exercer atividades de maior valor agregado nessas cadeias globais.
produtos das principais empresas norteamericanas (IBM, HP, Unisys, Sun e outras) para provedores deserviços de manufatura de grande porte nos próprios EUA (Flextronics, Solectron, Sanmina, Celestica, Jabil). Nos anos noventa, essa terceirização foi transferida a Taiwan (Acer, Quanta, Compal) e, ao final da década,para a China e o sudeste asiático. 6 CKD (completely knocked-down) é a modalidade de produção de kits preparados para uso em atividades demontagem e enviados a outras unidades fabris. Em contraposição, os módulos SKD (semi knocked-down) sãoparcialmente montados, sendo repassados a outras empresas para atividades de acabamento, embalagem eexpedição. 7 ODM (original design manufacturer) é a indústria que produz um equipamento padronizado com tecnologiaprópria e o comercializa a outras empresas, que o revendem com suas próprias marcas. Em contraposição CM(contract manufacturer) é a indústria contratada para fabricar um componente ou equipamentoexclusivamente para um fornecedor, de acordo com as especificações e a tecnologia deste.
Não é este, por ora, o caso brasileiro. As nossas políticas industriais têm privilegiado
empresas que atendam ao mercado interno, gerem empregos e qualifiquem fornecedores
locais de partes e peças de baixo valor agregado e de serviços. Tipicamente atividades dos
últimos elos da cadeia produtiva. Um reflexo da escassa vocação do Brasil para evoluir na
direção de atividades de maior valor agregado pode ser constatado nos indicadores de
pedidos de patentes apresentados por estrangeiros nos EUA. Enquanto o Japão requereu,
em 2008, 33 mil patentes junto ao USPTO e os britânicos cerca de 9 mil, nosso País
A crise deverá reordenar essa complexa teia de relações comerciais e fabris. Por um lado, o
enfraquecimento da economia americana reduziu o aporte de tecnologia e a capacidade de
obter financiamento das matrizes. Por outro lado, a movimentação de interesses, conjugada
com a recessão e o desemprego, deverá disparar políticas protecionistas de diversos
matizes, desde a imposição de quotas e de barreiras técnicas à entrada de mercadorias
importadas até as compras governamentais orientadas a produtos locais, passando por
instrumentos de política cambial, de elevação de tarifas e de bloqueio administrativo. Um
efeito desse quadro neoprotecionista poderá ser o de reconcentração de atividades nos
países centrais, pelo menos no que diz respeito a atividades próximas do topo da cadeia de
A transição para um patamar de economia avançada depende do domínio de tecnologia, da
dotação de infraestrutura e da capacidade de qualificar-se, de investir, de negociar e de
disputar mercados das empresas locais. A China vem evoluindo rapidamente nessa direção
e poderá surpreender o mundo com uma guinada para tornar-se uma economia com maior
agregação de tecnologia e mais voltada ao mercado interno. A escassez de terras retira dos
chineses, por ora, a alternativa de situar-se como player relevante em setores como
agronegócio. Essa possibilidade estará vinculada à aquisição de grandes propriedades em
outros países e à sua gradual ocupação e posta em produção. A China, alguns países do
leste asiático e países produtores de petróleo já vêm conduzindo projetos desse gênero na
Talvez a barreira mais incômoda ao avanço econômico dos países em desenvolvimento
acabe por surgir da responsabilidade ambiental, tema que até recentemente os EUA
tratavam com desconfiança e que começam a rever. Nos dias que se seguiram ao início da
fase aguda da crise, muitos desempregados de Wall Street apressaram-se em abrir
escritórios de consultoria ambiental. Se esta era obviamente uma manobra diversionista de
alguns executivos perplexos ou desejosos de mostrar-se comprometidos em fazer o bem, já
trazia a marca da crescente importância do meio ambiente na percepção de
responsabilidade do público norteamericano e europeu, que já reconhece uma ética de
preservação do futuro e de atitude precaucional (Bindé, 2001: 97-101).
Se os países do BRICS têm alguma marca em comum, é uma descontrolada degradação
ambiental e a destruição de seus acervos naturais. Ambientes urbanos favelizados, áreas
rurais degradadas e perda de reservatórios de biodiversidade se reproduzem em todos eles.
É o desmatamento da Amazônia e do cerrado no Brasil, a desertificação dos mares internos
da Rússia, a poluição dos rios na China e por aí vai. Compreende-se. É mais barato ocupar
terras de fronteira agrícola, expandir favelas e utilizar recursos naturais à exaustão do que
promover o manejo racional do território, dos aquíferos e dos biomas. Mas o preço pode vir
a ser alto, seja na forma de restrições de acesso a mercados, seja pela imposição de
retaliações por parte dos países centrais. Conclusão: perspectivas da política industrial
Estamos vivendo, no segundo trimestre de 2009, num ambiente primaveril. Enquanto
outros países se debatem com desemprego, estagnação, deflação e gripe A(H1N1), o
brasileiro volta a tocar sua vida com relativa normalidade. O mercado de trabalho formal
parece estabilizado, o crédito flui, a indústria volta a crescer, ainda que moderadamente, as
demais atividades seguem seu dia a dia.
No longo prazo, porém, os sinais de alerta não devem ser desprezados. Antes da crise de
setembro, o Brasil já enfrentava dificuldades na administração da economia: produtividade
decrescente, pressões inflacionárias, redução do superávit da balança comercial, menor
disciplina nos gastos públicos. Em certo sentido, pode-se dizer que a crise, embora
obviamente indesejável, chegou em boa hora.
O Brasil vive o esgotamento de um modelo de política industrial que iniciou seu ciclo há
vinte anos, com a eleição de Collor de Mello. A abertura comercial e a disciplina fiscal
foram marcas desse período, que trouxe estabilidade monetária, ganhos de produtividade e,
mais recentemente, redução da má distribuição de renda. Tal esgotamento, porém, pode ser
mais um efeito de tendências que se produzem em escala global do que resultado do
modelo doméstico de gestão pública.
Da mesma forma que, há vinte anos, decidiu-se pelo abandono das políticas de controle
cambial e de substituição de importações por um modelo de liberdade empresarial, de
sistemas de financiamento estatal e paraestatal (por exemplo, pelos fundos de pensão de
empresas públicas) e de incentivos pontuais à pesquisa e desenvolvimento, tem-se que
repensar mais uma vez a participação do Estado na indústria e na formulação de políticas.
Procurou-se aqui examinar alguns dos problemas que emergem no horizonte da nossa
indústria, e que sugerem uma combinação de escassez de alternativas para obter ganhos de
produtividade com um marco de agressiva competição global e de manobras protecionistas
dos governos de outros países. Nesse quadro, não é trivial determinar as políticas mais
Uma opção sempre viável é persistir na política vigente e retaliar os desvios dos demais.
Mas ela não aproveita o único diferencial que o Brasil parece preservar neste momento, o
de ter a chance de sentir menor efeito da crise, por menor tempo e com custos de
ajustamento menos severos. Um foco mais claro em uma política de formação de capital
humano, na dotação de infraestrutura complementar ao setor produtivo, no incentivo a
atividades de maior valor agregado e no desmonte da armadilha da degradação ambiental
Não se sabe de onde virão as inovações que irão alavancar nossa produtividade. As
possibilidades de avanço são hoje caras e complexas de se desenvolver, com resultados
incertos, estão cada vez mais afastadas do homem das ruas e são menos compreensíveis ao
público. Um dos acervos que o Brasil possui a mais, e é um diferencial a explorar, é sua
grande diversidade biológica e o estoque de informações oriundas da tradição, seja de
saúde, seja de cultura ou de coexistência com a natureza. O reconhecimento de legitimidade
das minorias como espaço para a reconstrução de tradições e a identificação de sabedorias
tradicionais poderiam ser reforçados, para que tenhamos acesso a esse acervo.
Não devemos alimentar, porém, o ingênuo sonho de que as pessoas mudem seus hábitos e
valores, abrindo perspectivas de novos modelos de comportamento do mercado. A atual
crise não deverá mudar a natureza humana, as crenças das sociedades ocidentais ou os
fundamentos da sua organização econômica. Continuaremos a ser capitalistas. Após a
ressaca, voltaremos, em algum tempo, a mergulhar no hedonismo. O homem moderno é
gafanhoto. Alimenta-se em excesso. Consome e copula compulsivamente. Armazena
gordura de modo descontrolado, na expectativa de obter um prazer exacerbado ou de
prolongar indefinidamente uma vida que tem, helas, prazo de validade. Somos invasores de
terras, violadores da natureza, fazedores de desertos. Somos cínicos, venais e propensos a
trair nossos ideais. Alguns o fazem por dois vinténs, outros por uma noite com a mais bela
meretriz da Babilônia. Mas poucos são os justos acima de qualquer preço.
Na moral smithiana, as instituições sociais, propriedade, moeda e mercado, logram colocar
essa corja humana sob controle, orientando nossa sanha de poder e riqueza na direção de
um crescimento econômico benéfico à coletividade. O mecanismo de realimentação desse
sistema seria suficiente, sob condições razoáveis do estado de direito, para coibir desvios e
prover os incentivos à produção organizada.
A crise atual mostra que não é bem assim. A cobiça e a criatividade humanas não têm
limites. Resta-nos aperfeiçoar as instituições, formular políticas sensatas e coibir, dentro do
razoável, os desvios que logremos perceber. Até a próxima crise. Referências bibliográficas
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Roche Releases New Pandemic Planning Guide for U.S.-Based Businesses; On-Line Toolkit Designed to Help Navigate Key Issues, Aid Decision-Making Posted on: Monday, 17 July 2006, 12:00 CDT Roche today released a comprehensive guide to help facilitate pandemic influenza planning among U.S.-based businesses, many of which are not yet fully prepared for the potential public health crisis and its
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